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Vista como solução, incineração contamina meio ambiente e é nociva para saúde

Unidades de Recuperação Energética (URE) prometem transformar lixo em energia a partir da queima de resíduos. Riscos à saúde humana, emissão de gases tóxicos na atmosfera e altos custos para o orçamento público são algumas das justificativas dadas por especialistas para a inviabilidade desse modelo.

Por Mariany Bittencourt

A incineração de resíduos sólidos vem sendo considerada por gestões municipais do estado de São Paulo como uma alternativa para aterros sanitários, apesar de há anos existirem alertas sobre os prejuízos que a tecnologia pode causar ao meio ambiente e à saúde humana. Chamada de Unidade de Recuperação Energética (URE), essa medida promete produzir energia a partir da queima de resíduos. Pesquisadores da área de gestão de políticas públicas entrevistados por esta pesquisa, no entanto, afirmam que a medida não é eficaz e custará aos cofres públicos mais do que a manutenção de aterros.

Nos anos 60, a tecnologia já havia sido implementada em São Paulo, com a construção dos incineradores Vergueiro e da Ponte Pequena, mas os empreendimentos foram fechados nos anos 2000 após pressão da sociedade civil. Existem estudos mostrando os prejuízos causados pela fumaça liberada pelos empreendimentos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, como a pesquisa realizada pelo laboratório de poluição atmosférica da Universidade de São Paulo (USP). Segundo este artigo assinado por pesquisadores da USP, constatou-se a existência de mutações no material genético de plantas próximas ao incinerador Vergueiro. Fechado após 20 anos de poluição do ar, o incinerador acumulava cerca de R$ 2,5 milhões em multas ambientais, de acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo. Além disso, exames de laboratório que tiveram laudo feito pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) acusaram presença de microorganismos vivos nas cinzas dos incineradores, de acordo com matéria publicada no portal do governo do estado, o que indicava falha na esterilização do incinerador.

Voltando aos dias atuais, em Santos, uma Unidade de Recuperação Energética (URE) está prevista para ser instalada em um terreno onde hoje existe um aterro sanitário. De acordo com ata de audiência pública realizada em outubro de 2020, o empreendimento soma 300 milhões de reais e será gerido pela concessionária Valoriza Energia. Essa concessionária é formada por uma das empresas que compõem o atual grupo que realiza a coleta de resíduos domiciliares na cidade, o Terracom.

Consequências

“Se o aterro é caro, a unidade de recuperação energética vai triplicar ou quadruplicar o orçamento público para queimar resíduo”, afirma a professora de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Sylmara Dias. “A gente não participa dessas escolhas porque isso é escolha de gabinete. Há várias audiências públicas que estão prevendo incinerador para Barueri, para Santos, para Mauá. A gente está sendo cercado por uma decisão que já está tomada sem a nossa participação”, diz.

Outros pesquisadores também consideram a implantação de usinas de recuperação energética um retrocesso. Para Jeffer Castelo Branco, que é mestre em Análise Ambiental Integrada e membro da Frente Ambientalista da Baixada Santista, a incineração é uma solução inviável, principalmente por conta dos riscos que ela oferece à saúde das pessoas que vivem ou trabalham perto de incineradores. “Por conta das substâncias serem bioacumulativas, tudo o que é criado a uma área de três quilômetros do incinerador se intoxica por dioxinas e furanos e outros biopersistentes tóxicos”, afirma Branco. “Assim, as pessoas passam a ingerir um alimento contaminado e sofrem intoxicação crônica”, explica.

Além de comprometer a saúde da população e o meio ambiente, os incineradores são considerados por especialistas uma tecnologia que desincentiva a reciclagem de resíduos. “Eles falam que vai ter a queima e a coleta seletiva vai acontecer também, mas aquilo ali é um forno e esse forno tem que ser preenchido por material”, afirma Gustavo Hidaka, mestre em Ciência Ambiental. “Se a gente pensar na falta de esforço com que as municipalidades do Brasil lidam com a questão do resíduo reciclável, então a queima é uma solução fácil. Acho que ela pode atingir essa hegemonia de uma forma muito rápida”, diz o pesquisador.

Apesar de receber o nome de “usina de recuperação energética”, essa tecnologia não é eficiente na produção de energia, explica a professora Sylmara Dias, pois a geração de energia depende da quantidade de calor que é liberada durante a queima, o que depende do tipo de material incinerado. Plásticos, por exemplo, possuem alto poder calorífico, enquanto resíduos orgânicos, que são a maioria dos coletados em São Paulo, são úmidos e impedem formação significativa de energia. Com isso, Dias afirma que as chances de essa tecnologia incentivar ainda mais a produção de plástico pela indústria aumentam, porque os incineradores precisam de materiais com esse poder para se manter funcionando. “O maior amigo do incinerador é o plástico”, afirma Dias. “E se a capacidade calorífica do forno é reduzida, reduz-se também a capacidade de algum aproveitamento energético e o equipamento não se paga”, diz.

A empresa alemã Martin G.m.b.H, que ofereceu tecnologia para a construção dos incineradores de São Paulo, existe até hoje e já implantou a tecnologia em outros 36 países. Ao todo, foram 588 incineradores instalados. Para a professora Sylmara Dias, os maiores interessados pelo retorno dessa tecnologia são seus próprios criadores. “Tanto na primeira onda, dos anos 1940 a 1990, como agora, ninguém está desenvolvendo tecnologia aqui na América Latina”, explica. “A gente está comprando deles. [A queima] interessa a essa indústria, que construiu essa tecnologia e, para se pagar e lucrar, precisa continuar vendendo”, afirma Dias.

Imagem: Pixabay